Tuesday, June 28, 2005

Contratações
(ela...)

Sim, já que insistes, sim eu aceito. Mudo-me de clube, que é como quem diz, está bem, para a próxima jogo pela equipa dos já não casados. Se me custa? Já custou mais. Agora sou especialista em livres...livres directos, livres indirectos. Gosto de livres. Livres lembra-me liberdade. E afinal, qualquer bom jogador muda de equipa. Vou ter um ordenado maior, já não vou precisar de o dividir contigo em malas, vestidos e sapatos. Sim, qualquer bom jogador muda para melhor. E que raio! Eu estou melhor! Claro que estou melhor. Não vês? Não sentes? Compra o jornal desportivo, compra. Compra e vai le-lo para o banco do jardim atrás da Camara. Vai e verás que eu também lá estou. Sentado com o jornal ao lado, a dar comida aos pombos à espera que algum miúdo me passe a bola e eu remate, de livre directo, directo a ti.

Sunday, June 26, 2005

Pés de princesa

Se eu fosse bailarina, em lugar de ti, teria sabrinas cor-de-rosa. Eu não sou bailarina. Sou menina.E as meninas também podem gostar de trocar o sapato salto de agulha da mãe pela chuteira pé largo do pai. E é assim que bailo nos meus pés os gritos dos nossos golos. Sobre o verde, sobre o cheiro da relva molhada, curvada de riso, impregnada de ti. E assim te pouso, ao final do dia, ao lado das sabrinas cor-de-rosa que eu nunca tive.

Friday, June 24, 2005

nua

escrevo do amor por ela, da paixão primeira, da fidelidade em todos os dias nossas vidas.Da primeira vez em que dormimos juntos, dos primeiros beijos: em privado, por baixo das mantas grossas no inverno de 77; em público, no recreio da escola, na tarde do dia a seguir. Dos ciúmes de todas as meninas de três anos.
Deste amor dos pés à cabeça, noite e dia, de vida e morte. Que nunca deixará de ser para sempre

Wednesday, April 27, 2005

eu

E agora que daqui vejo os telhados, apetece-me simplesmente deixar correr os dedos neste campo de letras. E nessa espera contínua pelo golo que se faz desejar, aninho-me no cantinho esquerdo da baliza e ali fico, aqui fico, neste drible de dedos, enquando lá baixo, no palco de nós, sou outra vez pequenina.

Friday, April 08, 2005

Saudade

Saudade de vestir esta pele original, com o feliz acaso de ser às cores deste nosso Portugal.Continuaremos à volta de uma bola imaginada.Apenas pelo amor, uma daquelas palavras que não se explica em letras,à beleza do jogo.

Tuesday, January 11, 2005

29

Vinte e nove. Vinte e nove anos! Acabo de ligar a um amigo que faz hoje vinte e nove anos! Como é possível? Vinte e nove parecem-me muitos. A ele, parecem-lhe milhares. São alguns, sem dúvida. E enquanto ele fala, lembro-me de quando tinhamos 12 anos. Uma tarde quente, muito quente de verão. Já eramos amigos. Há amigos que nascem connosco. Eram duas e tal da tarde. Muito quente. Fui a casa dele visitar a mãe. A mãe do meu amigo estava muito doente. Cheguei a casa dele e falei com ela. Ela pediu-me para o ir chamar. Estava a sentir-se muito fraca. Queria despedir-se dele. Saí de casa da mãe do meu amigo a correr, a correr muito. Chamava-o num silêncio gritante enquanto corria pela aldeia à procura dele. Vinte e nove anos! A mãe do meu amigo morreu e ele ficou com os olhos azuis muito mais azuis ainda. Agora que acabo de desligar o telefone, lembro-me de uma tarde, outra tarde, não tão quente. Uma tarde em que entramos na universidade pela primeira vez. Fomos os dois ao cemitério. Ele queria dizer à mãe. E lembro-me de quando fomos para Itália, tres semanas à aventura, ou para Barcelona. Vinte e nove anos.« O tempo passa». Pois passa. Só as recordações é que não.
500 dias

De maneira que nem parecia que já tinham passado 500 dias. 500. Eu contei-te milhares de coisas, desdobrei vezes e tal o guardanapo, mexi no cabelo, remexi no cabelo, sorri, corei, disse piadas. Ri-me. Riste-te. Rimo-nos. De maneira que dessa forma nem parecia que já tinham passado 500 dias. Uma porra de tempo, uma data de meses. Falaste-me de projectos. De trabalho. Tens uma série de coisas para acabar, está a correr bem, disseste-me, mas ando à nora, concluiste. E eu a olhar para ti na esperança que a tua nora tivesse também como causa a minha ausência, a nossa ausência, mas tu adiantaste pouco em relação a isso. E eu respeitei. Contei-te coisas de senhora, surpreendi-me e deixei-te de boca aberta duas ou três vezes. De maneira que assim, quem nos visse, nem ía dizer que já passaram 500 dias. Sem o peso da vitória pedida, assim, é muito mais fácil entrar em campo. E quem nos visse, sentados a beber chá e a contar coisas dos dias, ninguém diria, mesmo ninguém, que já passaram 500 dias.

Thursday, December 16, 2004

Um rapaz perdido pela India
(titulo sugerido por um GPS)
(ela)

E no entanto, nunca a tinha deixado. Corria-a em tardes quentes quando o pó subia ao céu azul que ficava ali, entre o chão e ela. As mãos desmedidas, como o são sempre nestas ocasiões, contavam histórias que ele tinha ouvido dos velhos. E ela ria. Fingia que acreditava que as histórias existiam e contava pássaros às gargalhadas de migrações. Os laranjas misturavam-se com os rosas e os azuis e os roxos e os amarelos em encontros prometidos de tardes quentes. Às vezes, a água não se aguentava e em soluços caía do céu. Nessas alturas ele costumava dizer-lhe que ia ser sempre assim: entre dois polos.O fogo e a água. Ela ria. Fingia que acreditava. E depois havia outra vez sol e risos e mãos e histórias. O céu azul, feliz, como devem ser todos os céus azuis, ensinava-lhe o caminho para sul. E ele seguia. Os pernas em forma de arco uniam os mundos que ficavam ali tão longe. Ele espreitava e sentia-a sorrir. Isso bastava-lhe. Perdeu-se. Por ela.